Pular para o conteúdo principal

A caneta que cura

Conheci Philip Yancey quando ambos tínhamos 22 anos. éramos ambos editores recém-formados na revista Campus Life, de Youth for Christ [Mocidade para Cristo]. Ele era de altura mediana, sem nenhuma gordura em seu corpo e tinha um cabelo enrolado numa espécie de loiro afro. Magro, embora não atlético, possuía toda a energia necessária. Ele chegou ali vindo de uma criação fundamentalista na Georgia, através do Columbia Bible College e do mestrado no Wheaton College. Sua mãe o criou como mãe solteira enquanto ensinava turmas de escola bíblica; Yancey cresceu pobre, em um trailer, junto com o irmão. Ambos foram criados para tocar piano e apreciar música clássica, de que, aliás, Yancey gosta até hoje. Eles aprenderam a trabalhar duro e a respeitar autoridades – e, mais ainda, aprenderam o Cristianismo fundamentalista. Nada importava muito, comparado a isso. Muitos se esquecem da infância fundamentalista, mas Yancey não foi um destes. Ele absorveu o caminho estreito, sua mentalidade rígida e sua forte e brava abordagem da verdade. E depois a rejeitou. Quando o conheci, ele havia escapado deliberadamente do fundamentalismo, mas isso já seria outra história...

Philip Yancey havia deixado aquele mundo, mas não penso que saiu ileso. A força do fundamentalismo é sua pressão e pureza. Fundamentalistas sabem no que acreditam e são firmes em promover sua crença. Geralmente, eles podem dizer o que você pensa também; muitas vezes, são melhores em definir e criticar as posições dos outros do que em ouvir sobre como os outros os entendem. O que parece permanecer com os ex-fundamentalistas são os princípios, a vontade de lutar pela verdade e também uma forte reação à sabedoria rígida da mente dos fundamentalistas. Pelo menos é o que vejo em Yancey: um poderoso senso de honestidade e idealismo, e resistência sobre fazer julgamentos. Em Wheaton, aquele que logo seria um dos mais celebrados escritores cristãos trabalhou para reconstruir seu mundo, procurando limpar-se das características fundamentalistas enquanto preservava (e descobria) a fé genuína e honesta.

A bem da verdade, Yancey havia chegado ao Wheaton College a fim de preparar-se para o campo missionário, em parte porque seu pai, falecido em decorrência de pólio quando os filhos eram crianças, havia planejado ser missionário. Quem conhece Philip Yancey sabe que o que ele planeja fazer, faz. Campus Life, no entanto, foi um acidente, e não algo planejado. Ele precisava de um emprego enquanto freqüentava a escola e a revista lhe ofereceu esta oportunidade. A publicação era praticamente toda escrita pela equipe. O trabalho de um editor era, mais do que qualquer coisa, escrever. Tornou-se óbvio imediatamente para Harold Myra, nosso chefe e mentor, que Yancey era um talentoso e ativo escritor. Foi um achado para a revista – da mesma forma, um achado para ele.

Esclarecido, cheio de vitalidade e criativo, Yancey teria sido bem-sucedido em qualquer coisa. Seria, sem dúvida, um ótimo missionário. Mas o ato de escrever deu a ele a oportunidade de colocar sua energia e sua inventividade em prol de seus ideais e princípios. Durante os anos em que trabalhei na Campus Life, nunca o vi esquecer um só detalhe. Ele era perfeccionista e determinado; tinha uma personalidade controlada e dirigida, que o levava a mergulhar sem reservas em tudo o que fazia. Mas era muito mais compreensivo do que a maioria dos perfeccionistas. Acho que o levei à loucura com os meus esquecimentos, mas raramente ele se mostrou impaciente. Suspeito que isso se deva ao seu passado fundamentalista. Simplesmente, ele não queria julgar os outros e machucá-los como os outros o haviam ferido. Seus escritos melhoraram de forma incrível ao longo dos anos. Não me lembro de nenhum sinal, nos primeiros anos que trabalhamos juntos, de que ele seria um artista com as palavras, um escritor capaz de nos encantar.

Philip Yancey é autodidata. Todos os seus melhores escritos são marcados por uma observação precisa e pelo cuidado ao chegar a conclusões. Com humildade, convida seus leitores a acompanhá-lo numa jornada de aprendizado, também trilhada por ele. Sim, Yancey continua sendo um missionário em seu coração. Ele quer mudar vidas. Desde que o conheço, ele está voltado a pessoas sofredoras. Compartilha suas experiências através de cartas e conversas. De alguma forma, as pessoas reconhecem esta sensibilidade nele – tanto que começou a receber uma quantidade enorme de confissões, mesmo antes de ser um autor conhecido. As pessoas o procuram para falar sobre sua dor. Alguém disse um dia que escrever começa com uma dor de cabeça. No caso de Yancey, começou com uma dor no coração. Alguns de seus títulos dão bem a idéia disto: Onde está Deus quando chega a dor? e Decepcionado com Deus. Por outro lado, sua visão mais concreta e positiva da fé pode ser vislumbrada em obras como Maravilhosa graça, O Jesus que eu nunca conheci e Aliviando a bagagem, entre tantos outros.

Dois lugares foram de grande importância na vida de Yancey. No fim dos anos 1970, ele e sua mulher, Janet, mudaram-se para Chicago. O trabalho dela no centro de idosos da LaSalle Street Church envolveu o casal em uma igreja histórica. LaSalle era uma congregação que acreditava no Evangelho e aceitava pessoas problemáticas da forma que chegavam. A comunidade mostrava preocupação tanto com o corpo quanto com a alma. E lá, o escritor podia ser ele mesmo; até dava aulas na escola dominical. Como ex-fundamentalista, Yancey estava ressabiado com a Igreja, mas LaSalle o trouxe de volta. Ele descobriu que poderia ser parte do Corpo de Cristo – seus dons seriam bem-vindos e honrados.

Acontece que Chicago era muito mais do que aquela igreja. Os Yancey mergulharam na complicada cultura das grandes cidades, com todas as suas coisas boas e ruins – a magnífica Sinfônica local, por exemplo, ou o beisebol apaixonante do Chicago Cubs. Havia também aglomerações, violência urbana e grandes restaurantes. Tudo muito diferente do que havia na sua Geórgia, mas ele se adaptou àquele ambiente cosmopolita. Ainda assim, uma grande parte de Philip Yancey estava radicalmente insatisfeita em Chicago. é que ele precisa da natureza, assim como o violino precisa de um arco. Portanto, nos últimos 15 anos, o casal vive no Colorado, em uma situação oposta à de Chicago – sem grandes concertos ou estádios de beisebol, mas também sem mendigos ou crimes. Há poucos restaurantes, mas eles têm as montanhas. E, em 2007, Yancey alcançou um objetivo importante para ele (e objetivos sempre são importantes para Philip Yancey): escalou o último dos 54 picos mais elevados do Colorado. O alpinismo é para ele apenas recreação, mas superar os obstáculos da subida o ajuda a avaliar tanto a beleza das montanhas quanto a capacidade de sua força de vontade.

A mesma tenacidade ele carrega para as letras. Escrever é sua vocação, e ele a exerce com muita seriedade. Eu confesso que apenas gosto de escrever. Poderia escrever sobre quase tudo; minha paixão é escrever da forma mais artística e articulada possível. Se eu disser ao leitor algo que ele não sabia, então considero meu trabalho feito. Mas, Philip Yancey, não. Ele escreve para curar. Por vezes, retoma a semente de seu passado fundamentalista – as Boas Novas para os que sofrem e estão perdidos – e está determinado a transmitir essa mensagem. Apto, como qualquer perfeccionista, a se auto-condenar, ele carrega uma alarmante mensagem que ainda sente dificuldade em aceitar: a de que Deus nos ama! O dom especial de Philip Yancey é o de comunicar a graça aos que sentem dor, e o faz aproximando-se deles gentilmente, e não empurrando palavras com força. é claro – todos experimentaram a dor. Portanto, de alguma forma sua mensagem é universal. Ainda assim, a resposta visceral vem dos cristãos machucados pela vida, feridos pelas falhas das igrejas. Gente que questiona se Deus pode cuidar deles enquanto permite que sofram desta maneira. Philip Yancey entende a dor. E trabalha duro, tremendamente duro, para, através de sua caneta, transmitir uma mensagem simples: a do amor de Deus.

(Tradução de Karen Bomilcar)
www.cristianismohoje.com.br

Comentários

Postagens mais visitadas deste blog

O escafandro e a borboleta

Uma dica de filme bacana, um motivacional apesar de não ser um filme cristão.     por Juliana Dacoregio   Impossível assistir a O escafandro e a borboleta (França/EUA, 2007) e não pensar em valorizar mais a própria vida. É o pensamento mais simplista possível, mas é também o mais sábio. Eu estava com um certo receio de assistir ao filme. Sabia do que se tratava e não queria sentir o peso da tragédia daquele homem. É uma história realmente pesada. E por mais que Jean Dominique Bauby – que, baseado em sua própria história, escreveu o livro homônimo que deu origem ao filme – conseguisse rir apesar de sua situação, o riso dele faz só faz aumentar o nosso desconforto, por ficar evidente que seu rosto permanece estático enquanto há emoções em seu interior.   Bauby se viu preso em seu próprio corpo em 1995, quando sofreu um derrame que o deixou totalmente paralisado e incapaz de falar. Apesar disso ele não teve sua audição e visão afetadas e suas faculdades mentais continuar

William Barclay, o falso mestre

  O texto a seguir foi traduzido por mim, JT. Encontrado em inglês neste endereço . As citações de trechos bíblicos foram tiradas da bíblia Almeida Revista e Atualizada (ARA).     William Barclay, o falso mestre Richard Hollerman Estamos convencidos de que muitas pessoas não percebem o quão difundido o falso ensinamento está em nossos dias. Elas simplesmente vão à igreja ou aceitam ser membros da igreja e falham em ter discernimento espiritual com respeito ao que é ensinado pelo pastor, pregador ou outro "sacerdote". Elas meramente assumem que tudo está bem; caso contrário, o quartel-general denominacional certamente não empregaria uma pessoa em particular para representar sua doutrina publicamente. Esta é uma atitude desgraçadamente perigosa a sustentar, uma que nos conduzirá de forma desencaminhada e para dentro do erro. Alguns destes erros podem ser excessivamente arriscados e conduzirão ambos mestre e ouvinte à condenação eterna! Jesus nos advertiu sobre os farise

O natal por Ed René kivitz

O Natal não é um só: um é o Natal do egoísmo e da tirania, outro é o Natal da abnegação e da diaconia; um é o Natal do ódio e do ressentimento, outro é o Natal do perdão e da reconciliação; um é o Natal da inveja e da competição, outro é o Natal da partilha e da comunhão; um é o Natal da mansão, outro é o Natal do casebre; um é o Natal do prazer e do amor, outro é o Natal do abuso e da infidelidade; um é o Natal no templo com orquestra e coral, outro é o Natal das prisões e dos hospitais; um é o Natal do shopping e do papai noel, outro é o Natal do presépio e do menino Jesus. O Natal não é um só: um é o Natal de José, outro é o Natal de Maria; um é o Natal de Herodes, outro é o Natal de Simeão; um é o Natal dos reis magos, outro é o Natal dos pastores no campo; um é o Natal do anjo mensageiro, outro é o Natal dos anjos que cantam no céu; um é o Natal do menino Jesus, outro é o Natal do pai dele. O Natal de José é o instante sublime quando toma no colo o Messias. A partir daquela primei