Pular para o conteúdo principal

Um texto instrutivo sobre diabetes e políticas públicas

Percepções e Realidade



Dois anos atrás, o Programa Nacional de Educação em Diabetes (NDEP), do governo norte-americano, iniciou uma blitz multimídia que anunciava “Controle seu Diabetes. Para a Vida”. Simplesmente isso. Depende de você. É sua doença. Se você a controla, você terá uma vida, se não, não. De acordo com o Dr. Phillip Gorden, o então diretor do Instituto Nacional de Doenças de Diabetes, Digestivas e Rim (NIDDK), o objetivo da campanha era de “passar a mensagem que o diabetes é sério, comum, caro e controlável”. Através da televisão, rádio e impressos, nossos vizinhos, colegas de trabalho, amigos e familiares aprenderam que o diabetes é controlável. A campanha reforçou a crença de que os problemas do diabetes e seus custos econômicos associados são causados pelos diabéticos – e não pelo diabetes. Agora pense por um momento o quê teria acontecido se a campanha tivesse anunciado “Diabetes incapacita e mata.

Somente uma cura pode parar o sofrimento”, com imagens de uma criança levando sua mãe cega através de uma mercearia, com uma voz explicando que o diabetes incapacita. Esta campanha iria criar uma mudança significativa na maneira como o diabetes é percebido. O público veria o diabetes como um inimigo, de uma forma semelhante como vemos o câncer e a AIDS como inimigos. Eles se preocupariam que caso o diabetes não fosse curado, aquilo poderia acontecer com eles ou com seus filhos. Uma campanha deste tipo iria mudar a face da doença pela remoção do sorriso que tem sido veiculado nos anúncios de produtos e brochuras nos escritórios médicos e farmácias. Talvez a consternação pública de que ainda não há uma cura iria criar pressão política para aumentar o financiamento de pesquisas orientadas à cura do diabetes. Muitos pais de crianças diabéticas e adultos diabéticos ficariam insatisfeitos ou chocados com uma campanha deste tipo, em parte porque nós também acreditamos, ou queremos acreditar, de que se nós seguirmos as práticas do bom controle, nós estaremos garantidos com uma vida livre das complicações do diabetes. Não somente nós queremos acreditar nisso; nós fomos ensinados a acreditar nisso. Semana passada, em um encontro noturno de mães de crianças diabéticas, três das cinco mães disseram que elas foram ensinadas a não se preocupar muito com a glicemia de seus filhos, uma vez que as crianças são resistentes às complicações. Sem dúvida, os médicos, com boas intenções, estão tentando diminuir as preocupações das mães e das crianças. Utilizando vozes de suporte e doces sorrisos, as enfermeiras passam a mensagem de que se você fizer como lhe é dito, então tudo estará bem – tal como na campanha do NDEP, eles estão falando aos pacientes que o diabetes é controlável, e se eles o controlarem, eles estarão bem. Mas a verdade é que nenhum estudo, nem mesmo o Diabetes Control and Complications Trial - DCCT, mostrou que o controle do diabetes pode prevenir as complicações. Claro, na falta de uma cura, o controle do diabetes é importante para diminuir a progressão e retardar o aparecimento de complicações ao máximo possível, mas nós não devemos enganar o público, ou nós mesmos, que o controle é suficiente. No máximo é um tratamento inadequado até uma cura ser achada.

O diabetes é um grande negócio com forças econômicas, sociais e políticas poderosas abrindo e fechando portas para nossos tratamentos e curas. Bilhões de dólares são ganhos vendendo produtos à comunidade diabética. Para desenvolver uma cura custa dinheiro, e até que se atinja a uma cura, não há nenhum produto para vender. Nas grandes conferências sobre diabetes, os profissionais da área de saúde são inundados com informações sobre medidores de glicose mais precisos e simples, e sistemas de injeção de insulina, mas defensores da cura do diabetes, ou proponentes de avanços científicos com este fim, são grandemente sub-representados. Infelizmente, sem os atrativos das grandes empresas que vendem produtos para o controle do diabetes, a mensagem sobre a cura do diabetes se perde. Os profissionais da área de saúde retornam para casa dizendo aos seus pacientes diabéticos somente sobre as novas tecnologias que os ajudarão a controlar melhor sua condição. Este ano, na convenção da American Diabetes Association, as organizações sem fins lucrativos não foram permitidas a ficar no salão de expositores, foram removidas para outro salão, para dar espaço às empresas que objetivam o lucro mostrar seus produtos.

O diabetes ameaça a vida tal como o câncer e a AIDS? A resposta sem dúvida é sim. De fato, mais pessoas morrem nos Estados Unidos de diabetes, todos os anos, do que de câncer da mama e de AIDS somados, mas você nunca saberia isto pelo nível de gasto do governo financiando pesquisas de cada uma das doenças. O financiamento à pesquisa é altamente sujeito a como os defensores fazem lobby pela doença. Olhe, por exemplo, o financiamento ao câncer de próstata versus mama. Apesar de ambos causarem a mesma quantidade de mortes todos anos, o financiamento ao câncer de mama é cinco vezes maior do que para o de próstata. De acordo com Gary Becker, ganhador do prêmio Nobel de 1992, a pesquisa sobre o câncer de mama é “muito melhor financiada porque os pacientes são mais bem organizados para a atividade política. Os homens tendem a ficar quietos sobre o câncer de próstata”. Becker disse que a pesquisa da AIDS recebe quatro vezes mais que a de câncer de mama, e mais de vinte vezes que a de câncer de próstata. “A efetividade política dos ativistas de AIDS certamente ajuda a explicar porque um pedaço maior do orçamento federal dos Estados Unidos é alocado para a pesquisa da AIDS do que para outros males terríveis”, diz ele. O governo norte-americano gasta 1,7 mil dólares em pesquisa com AIDS por cada portador de AIDS, mas menos de 30 dólares em pesquisa de diabetes por cada diabético. Defensores da AIDS e do câncer encorajam o apoio financeiro e político com relatórios amplamente divulgados de cada sucesso e descoberta eminente no tratamento de suas doenças, focalizados sempre na cura. Em contraste nós mandamos mensagens misturadas sobre diabetes. Num esforço para encorajar o otimismo e a auto-confiança, as revistas de diabetes e materiais educacionais mostram a imagem de pessoas sadias, ativas, “controlando sua condição”, com uma atitude tipo “sem problemas”. Companhias farmacêuticas usam a imagem e slogans de diabéticos sorridentes segurando seringas e medidores de glicose – os símbolos do diabetes. Mas a própria doença não é revelada. A percepção pública do diabetes é influenciada pelos nossos próprios testemunhos, e nós retratamos uma doença que não é mais que uma pequena inconveniência. Diabetes é, há muito tempo, uma doença de acusação e vergonha de não controle e de mentira nas dietas. As complicações do diabetes tem servido como uma linha de demarcação entre aqueles que são orgulhosos de aparecer e aqueles que se escondem. Ao mostrar para o mundo apenas as faces felizes, e não a trágica doença, nós estamos endossando a filosofia prevalecente de tolerar, ao invés de curar o diabetes. Para os formuladores de políticas públicas, filantropistas, empregadores, e o público se sentirem compelidos a curar o diabetes eles precisam entender que o diabetes é: · Caro para a sociedade e estes custos estão subindo; · Disseminado e a incidência está aumentando; · Destruidor da alma, e ainda não há cura; e · Acima de tudo, que com recursos e foco, o diabetes é curável. Para que esta doença seja curável, é necessária uma mudança fundamental na forma como o diabetes é visto. Nós precisamos diminuir a distância entre a percepção do diabetes como uma condição controlável com a realidade de que ela é uma das mais velhas, mortais, e disseminadas doenças.

Comentários

Postagens mais visitadas deste blog

O escafandro e a borboleta

Uma dica de filme bacana, um motivacional apesar de não ser um filme cristão.     por Juliana Dacoregio   Impossível assistir a O escafandro e a borboleta (França/EUA, 2007) e não pensar em valorizar mais a própria vida. É o pensamento mais simplista possível, mas é também o mais sábio. Eu estava com um certo receio de assistir ao filme. Sabia do que se tratava e não queria sentir o peso da tragédia daquele homem. É uma história realmente pesada. E por mais que Jean Dominique Bauby – que, baseado em sua própria história, escreveu o livro homônimo que deu origem ao filme – conseguisse rir apesar de sua situação, o riso dele faz só faz aumentar o nosso desconforto, por ficar evidente que seu rosto permanece estático enquanto há emoções em seu interior.   Bauby se viu preso em seu próprio corpo em 1995, quando sofreu um derrame que o deixou totalmente paralisado e incapaz de falar. Apesar disso ele não teve sua audição e visão afetadas e suas faculdades mentais continuar

William Barclay, o falso mestre

  O texto a seguir foi traduzido por mim, JT. Encontrado em inglês neste endereço . As citações de trechos bíblicos foram tiradas da bíblia Almeida Revista e Atualizada (ARA).     William Barclay, o falso mestre Richard Hollerman Estamos convencidos de que muitas pessoas não percebem o quão difundido o falso ensinamento está em nossos dias. Elas simplesmente vão à igreja ou aceitam ser membros da igreja e falham em ter discernimento espiritual com respeito ao que é ensinado pelo pastor, pregador ou outro "sacerdote". Elas meramente assumem que tudo está bem; caso contrário, o quartel-general denominacional certamente não empregaria uma pessoa em particular para representar sua doutrina publicamente. Esta é uma atitude desgraçadamente perigosa a sustentar, uma que nos conduzirá de forma desencaminhada e para dentro do erro. Alguns destes erros podem ser excessivamente arriscados e conduzirão ambos mestre e ouvinte à condenação eterna! Jesus nos advertiu sobre os farise

O natal por Ed René kivitz

O Natal não é um só: um é o Natal do egoísmo e da tirania, outro é o Natal da abnegação e da diaconia; um é o Natal do ódio e do ressentimento, outro é o Natal do perdão e da reconciliação; um é o Natal da inveja e da competição, outro é o Natal da partilha e da comunhão; um é o Natal da mansão, outro é o Natal do casebre; um é o Natal do prazer e do amor, outro é o Natal do abuso e da infidelidade; um é o Natal no templo com orquestra e coral, outro é o Natal das prisões e dos hospitais; um é o Natal do shopping e do papai noel, outro é o Natal do presépio e do menino Jesus. O Natal não é um só: um é o Natal de José, outro é o Natal de Maria; um é o Natal de Herodes, outro é o Natal de Simeão; um é o Natal dos reis magos, outro é o Natal dos pastores no campo; um é o Natal do anjo mensageiro, outro é o Natal dos anjos que cantam no céu; um é o Natal do menino Jesus, outro é o Natal do pai dele. O Natal de José é o instante sublime quando toma no colo o Messias. A partir daquela primei